Elon Musk

Bilionários, Trump e Desigualdade: A Nova Era Dourada?

Nos Estados Unidos, Donald Trump e a ala MAGA (Make America Great Again) frequentemente se apresentam como defensores da classe trabalhadora, prometendo resgatar um país supostamente “abandonado” pelas elites. Porém, uma observação mais atenta expõe uma contradição gritante: o próprio governo Trump tem sido habitado por bilionários, mega-milionários e executivos corporativos cujas fortunas não param de crescer, enquanto pessoas comuns lutam para sobreviver.

Essa aparente contradição – a retórica pró-trabalhador de Trump versus a predominância de magnatas na política – foi o ponto de partida para minha conversa com o renomado economista Dr. Richard Wolff. Para quem não o conhece, Wolff é uma das vozes mais respeitadas em economia política, autor de livros como Democracy at Work e Capitalism’s Crisis Deepens. Ele é conhecido por explicar de forma clara as engrenagens do capitalismo e sua relação com a desigualdade.

Nesta postagem, reuni reflexões sobre como a “descarada oligarquia” nos EUA não apenas não é um acaso, mas um sinal de que a desigualdade histórica está se aprofundando. Discutimos de que forma isso afeta a classe trabalhadora, por que tantos bilionários se alinham ao poder, e o que poderemos enfrentar se essa concentração de riqueza não for interrompida.

Uma nova Era Dourada?

Muitos de nós chamamos este momento de “Segunda Era Dourada”. Quase cem anos depois da primeira, vemos novamente um abismo crescente entre os ultra-ricos e o restante da população. Os EUA, depois da Segunda Guerra Mundial, emergiram como potência econômica dominante, mas hoje o cenário é outro: a desigualdade aumentou a níveis insustentáveis, enquanto grande parte da população sofre com baixos salários e crescentes dívidas estudantis e médicas.

Quando Trump voltou ao poder, a imprensa notou a enorme quantidade de bilionários à sua volta: Elon Musk, Mark Zuckerberg, Sundar Pichai (Google), Jeff Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple), sem falar em executivos de setores como fundos de private equity, petróleo e finanças. Há até quem brinque se existiria algum “limite de segurança contra incêndio” no Capitólio para tantos bilionários juntos. Brincadeiras à parte, é intrigante ver que um governo que se diz “do povo” é constituído por pessoas vindas da elite corporativa – e que possivelmente vão usar seu dinheiro e influência para moldar políticas públicas em benefício próprio.

O “extrativismo” da economia

Um dos pontos fundamentais que abordamos foi o conceito de “economia extrativa”. Como mencionei, o próprio Trump usou a palavra “extraído” em um discurso de posse, afirmando que as elites “extraíram poder e riqueza dos cidadãos americanos”. O termo é forte e descreve bem o que ocorre quando a economia não está organizada para criar valor e distribuí-lo de forma justa, mas sim para sugar recursos de quem trabalha.

Stephen Janis, meu colega, destacou que hoje parece que não existe uma relação de troca equilibrada entre grandes corporações e trabalhadores. Em vez de investir em benefícios reais, como um sistema de saúde acessível ou salários dignos, essas empresas adotam uma postura baseada em extrair cada vez mais – seja via preços abusivos, planos de saúde insuficientes ou a coleta de nossos dados pessoais para vender anúncios nas redes sociais.

Declínio do Império Americano?

Para entender melhor por que essa concentração de bilionários não é apenas coincidência, pedi a Dr. Richard Wolff que contextualizasse historicamente. Ele lembrou que, ao final da Segunda Guerra Mundial, os EUA emergiram como a maior potência econômica do planeta, posição que ocupou firmemente nas décadas seguintes. Porém, nenhum império dura para sempre. O que vemos agora, segundo Wolff, é um país que perdeu a hegemonia irrestrita de outrora.

Um sinal disso é a ascensão do bloco econômico conhecido como BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, agora com mais países interessados em aderir). Enquanto EUA e seus aliados do G7 (Canadá, Japão, Reino Unido, França, Alemanha e Itália) representam cerca de 26% a 27% da produção global, o conjunto dos BRICS já soma cerca de 35%. Economicamente, esses países mostram alto crescimento e se tornam polos alternativos de influência, diminuindo o poderio americano.

Nessa fase de declínio, comenta Wolff, as elites tentam se segurar ao topo. E isso resulta em políticas que mantêm a concentração de renda, enquanto a maioria da população sofre. A riqueza dos bilionários cresce ainda mais, pois eles têm meios de proteger seu capital em tempos turbulentos. Já quem depende de salário vê o custo de vida aumentar e os rendimentos estagnarem, como demonstra o fato de o salário mínimo federal nos EUA ser US$7,25 por hora desde 2009, sem reajuste mesmo com anos de inflação.

“Nacionalismo” e guerra econômica

Diante da concorrência global e da perda de competitividade, muitas empresas americanas transferiram suas fábricas para países com mão de obra mais barata (como a China). Agora, os políticos tentam “proteger” a economia doméstica com tarifas e barreiras comerciais – o que Wolff chama de “teatro de bravata”. Ao aumentar impostos sobre produtos estrangeiros, o governo dificulta a importação de itens mais baratos e eficientes, mas não reverte as raízes do problema.

Um exemplo é o carro elétrico fabricado pela chinesa BYD, líder em relação custo-benefício. Para “proteger” a indústria local, o governo Biden elevou a tarifa de importação desse automóvel para 100%. Quem compra um carro de US$20 mil paga outros US$20 mil ao governo em forma de imposto. Isso, segundo Wolff, isola os EUA em vez de fortalecer sua competitividade. Esse tipo de medida, na opinião dele, mostra que o país caminha para uma postura isolacionista, enquanto outras nações fazem acordos entre si.

IA, automação e o medo do futuro

Um dos temas que me preocupa é o avanço de tecnologias como a Inteligência Artificial (IA). Sem regulação adequada, IA pode significar perda de empregos em larga escala, problemas como deepfakes (vídeos falsos hiper-realistas), manipulação de informações e até a substituição de relacionamentos humanos por conexões virtuais. Wolff explicou, contudo, que a tecnologia, por si só, não é a grande vilã – o problema é o modelo de uso, em que o lucro de um grupo reduz direitos e empregos de muitos.

Ele ilustra com um exemplo simples: se uma nova máquina duplica a produtividade do trabalhador, há dois caminhos. No capitalismo tradicional, a empresa demite metade da equipe, aumenta lucros e concentra riqueza. Numa lógica mais democrática, poderíamos manter todos empregados e reduzir a jornada pela metade, para que todos se beneficiassem do ganho de produtividade. Essa escolha, todavia, não cabe aos trabalhadores na maioria dos sistemas atuais; é a busca pelo lucro, e não o bem coletivo, que dá as cartas.

Elon Musk e o suposto “aceno nazista”

Um momento de polêmica recente foi a aparente “saudação nazista” de Elon Musk durante um evento. Muitas pessoas nas redes sociais especularam se o gesto teria sido acidental ou intencional. A polêmica agravou-se porque Musk, além de ter ascendência sul-africana em tempos de Apartheid, fez comentários e tomou posições que se alinham a forças políticas de direita. Dr. Wolff não cravou que foi ou não um “Heil Hitler”, mas destacou que o bilionário não parece preocupado em desassociar sua imagem de pautas ultraconservadoras – o que pode agravar a suspeita sobre gestos e falas ambíguos.

O risco de colapso e a esperança da mudança

Ao final, perguntei a Wolff se o aprofundamento da desigualdade levará inevitavelmente a um colapso social. Ele não acredita em determinismos absolutos, mas alerta que a combinação de desigualdade extrema, políticas de “distração” (culpar imigrantes, culpar a China etc.) e uma economia estagnada para a maioria é explosiva. Ainda assim, diz ele, existem alternativas se começarmos a admitir que os EUA não têm mais o poderio de antes e buscarmos um caminho construtivo de acomodação global.

Conclusão e chamado à ação

A conversa com Wolff me fez refletir sobre a noção de “cidade-empresa”, em que toda nossa vida seria controlada pelos interesses de poucos magnatas – algo que na história americana, já vimos em cidades mineradoras dominadas pelo “company store”. Hoje, nossa privacidade e até nossos relacionamentos são monetizados por bilionários da tecnologia que lucram com cada post, cada foto, cada clique.

Enquanto isso, a estrutura política reforçada pela decisão Citizens United (que permite às corporações gastar milhões sem limites em campanhas) deixa a maioria da população praticamente sem voz. A chamada “democracia” corre o risco de se tornar um espetáculo onde uns poucos bilionários – como Musk, Zuckerberg e Bezos – definem as regras.

Mas ainda há espaço para resistir. Resistir a um sistema que nos extrai e nos distrai para lucrar cada vez mais. Podemos questionar o consumismo, exigir reformas como Medicare for All (saúde universal) e políticas que protejam o trabalhador das demissões em massa impulsionadas por IA. Exigir que os ganhos de produtividade sejam compartilhados. Buscar unidade e solidariedade em vez de aceitar uma retórica que nos divide.

Precisamos, sobretudo, enxergar essa Segunda Era Dourada como uma escolha de organização econômica, não uma fatalidade. Podemos sim dizer “basta” a esse modelo de desigualdade. E isso começa com a informação, com debates abertos e com a coragem de confrontar o poder corporativo que domina o cenário.

Agradeço a todos que leram até aqui e se importam com o tema.

Fique de olho em como a extração de riqueza e os interesses de poucos impactam nossas vidas cotidianas. Vamos continuar esse diálogo, manter a pressão e explorar alternativas de organização econômica que priorizem a maioria. Somente assim, talvez, possamos reverter o curso dessa Segunda Era Dourada antes que ela termine de forma tão desastrosa quanto a primeira.

Taya Graham

Fonte: The Real News Network