Mark Carney surge como favorito para liderar o Partido Liberal, impulsionado pela renúncia de Justin Trudeau e pelo aumento do nacionalismo canadense. Sua candidatura ganhou força em meio às tensões com o presidente dos Estados Unidos.
O Partido Liberal do Canadá deve escolher neste domingo (9) o sucessor de Trudeau para a liderança do partido e o cargo de chefe de Estado. Somente os membros do Partido Liberal participam da votação, que ocorre de forma online desde 26 de fevereiro. O resultado oficial deve ser divulgado por volta das 18h30 (17h30 no horário de Brasília), e o novo líder deve assumir como primeiro-ministro nas próximas semanas.
Para manter o posto, no entanto, os liberais terão de vencer uma eleição geral, que deve ser convocada em breve. Trudeau anunciou sua renúncia em janeiro, mas permanece no cargo até que seu sucessor seja escolhido. Sua popularidade vinha diminuindo com o aumento dos preços de alimentos, habitação e a intensificação da imigração.
Mark Carney e o Conflito com Trump
Mark Carney, ex-banqueiro central de 59 anos, desponta como preferido ao cargo. Ele precisará lidar com as ameaças das tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que havia anunciado em janeiro a aplicação de 25% de tarifas sobre produtos do Canadá e do México. Apesar de uma suspensão temporária de 30 dias, o receio de uma guerra comercial permanece.
Assim que as tarifas entraram formalmente em vigor (antes da suspensão), Trudeau e a presidente do México, Claudia Sheinbaum, prometeram retaliação. O Canadá reagiu rapidamente, anunciando taxas de 25% sobre US$ 155 bilhões em produtos norte-americanos. As falas de Trump sobre transformar o Canadá no “51º estado” inflamaram a opinião pública canadense, levando muitos a vaiar o hino americano em jogos da NHL e NBA, além de boicotar produtos e viagens aos EUA.
Com a votação iminente, a questão central é quem está melhor preparado para lidar com a pressão econômica e política dos Estados Unidos. Carney navegou crises ao chefiar o Banco Central do Canadá e depois o Banco da Inglaterra, onde recebeu elogios por sua atuação durante a crise financeira de 2008 e a turbulência do Brexit.
Carreira de Carney e Apoio Político
Carney conquistou apoio por manter o fluxo de crédito durante a crise de 2008, reduzindo taxas de juros ao menor nível histórico, de 1%. Ele também se destacou por comunicar suas decisões de maneira acessível à população, influenciando até mesmo o Federal Reserve dos EUA. Desde que declarou sua candidatura em janeiro, tem recebido vários endossos de ministros e parlamentares liberais.
A principal adversária de Carney é a ex-vice-primeira-ministra Chrystia Freeland, que perdeu a confiança de Trudeau em dezembro e renunciou após divulgar uma carta contundente. Especialistas apontam três fatores que facilitaram o caminho de Carney: a longa associação de Freeland com Trudeau, o esforço de Carney em conquistar o apoio de parlamentares liberais e o foco nas tarifas de Trump. Muitos liberais temiam perder seus assentos e acreditam que Carney tem maior potencial de elegibilidade do que Freeland.
Próximos Passos para o Canadá
Espera-se que o novo líder convoque uma eleição tão logo assuma. Se não o fizer, a oposição no Parlamento provavelmente forçará a realização do pleito. Daniel Béland, professor de ciência política na Universidade McGill, diz que o estilo calmo e o currículo de Carney tranquilizam muitos canadenses em um momento no qual Trump ameaça a economia e a soberania do país. Isso contrasta com o posicionamento de Pierre Poilievre, líder do Partido Conservador, conhecido por uma retórica mais populista e agressiva, similar em certos aspectos à do próprio Trump.
Poilievre, de 45 anos, tem atacado a Press e promete cortar o financiamento à Press do Canadá, além de reduzir impostos. Ele defende o slogan “O Canadá em primeiro lugar”, mas o apelo nacionalista de Trump tem levantado temores sobre a soberania canadense, unindo muitos eleitores em torno de um sentimento de “defesa nacional”.
Poilievre instou Trump a interromper seus ataques ao Canadá, classificando-os como um “melodrama mensal” que prejudica as economias nos dois lados da fronteira.
Processo Eleitoral Canadense
Para entender melhor como as eleições funcionam no Canadá, confira os principais passos:
Passo 1: Dissolução do Parlamento
- O primeiro-ministro solicita ao Governador-Geral a dissolução do Parlamento.
- O Governador-Geral ordena ao Chefe Eleitoral que emita os editais de eleição.
- O Chefe Eleitoral emite os editais.
- O órgão responsável (Elections Canada) envia uma lista preliminar de eleitores aos oficiais eleitorais de cada distrito.
Embora exista uma data fixa (terceira segunda-feira de outubro a cada quatro anos), a lei não impede que as eleições sejam convocadas antes ou depois, contanto que não ultrapassem cinco anos desde o último pleito.
Passo 2: Nomeação de Candidatos
- Partidos políticos escolhem candidatos para cada distrito eleitoral.
- Um candidato pode concorrer sem vínculo partidário, como independente ou sem afiliação.
- Para se candidatar, é preciso ser cidadão canadense, ter pelo menos 18 anos no dia da eleição e não se enquadrar em restrições legais (como ser membro de assembleia legislativa provincial ou juiz nomeado pelo Governador-Geral).
Passo 3: Campanha Eleitoral
- O período de campanha dura de 37 a 51 dias, começando com a emissão dos editais e terminando no dia da eleição.
- Os partidos apresentam suas propostas, vão de porta em porta e participam de debates.
Passo 4: Votação
- Podem votar cidadãos canadenses com 18 anos ou mais, desde que registrados.
- Há diversas formas de votar: no dia da eleição, em votação antecipada, em escritórios do órgão eleitoral ou por correspondência.
- O voto é secreto, e o eleitor deve comprovar identidade e endereço antes de receber a cédula.
Passo 5: Apuração e Resultados
- Ao fim da votação, as urnas são abertas e os votos contados.
- Os resultados preliminares são divulgados e atualizados conforme a contagem evolui.
- Em caso de empate ou disputa acirrada, pode haver recontagem judicial.
Passo 6: Retorno ao Parlamento
- O candidato mais votado em cada distrito torna-se membro do Parlamento.
- O partido com o maior número de parlamentares forma o governo, cujo líder assume como primeiro-ministro.
Impacto das Ameaças de Trump
A estratégia de Trump de aplicar tarifas de 25% sobre todos os produtos canadenses (parcialmente suspensa até 2 de abril) tem potencial de causar grande prejuízo econômico ao Canadá, que exporta três quartos de seus produtos para os EUA. Estima-se que até um milhão de postos de trabalho possam ser afetados caso a taxação seja mantida, e o país corre risco de entrar em recessão.
A retórica de Trump — ao dizer que quer ver a “queda total da economia canadense” para facilitar a anexação — acendeu forte patriotismo no Canadá. Muitos consumidores passaram a boicotar produtos americanos e alguns grupos até encorajaram o cancelamento de viagens aos EUA. Esse clima de “defesa nacional” tornou-se o tema dominante na política interna, ofuscando questões como inflação, crise de moradia e saúde pública.
Influência no Cenário Eleitoral
O Partido Conservador, liderado por Poilievre, vinha liderando as pesquisas, com promessas de reduzir custos e defender o Canadá, mas a escalada das tensões com Trump e a renúncia de Trudeau mudaram o jogo. Pesquisas indicam que a popularidade do Partido Liberal se recuperou, especialmente com Carney sendo visto como o mais apto a enfrentar Trump nas questões de tarifas e comércio.
Mesmo assim, dúvidas surgiram sobre a lealdade de Carney ao país, após especulações de que ele teria participado da transferência da sede de uma empresa de investimentos do Canadá para os EUA. Carney nega envolvimento, mas seus oponentes aproveitaram o tema para questionar seu patriotismo. Ainda assim, muitos eleitores o veem como a melhor opção para lidar com a crise criada por Trump.
Conclusão
Independentemente de quem vença a próxima eleição, a influência de Donald Trump vai continuar a moldar a política do Canadá por algum tempo. Com tarifas punitivas e ameaças de anexação, o país enfrenta um momento crítico, em que a escolha de seu novo líder e a condução da política externa serão determinantes para seu futuro econômico e soberano.
Fontes: BBC, G1 Globo, Elections Canada