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‘É genocídio’: os bispos católicos do Brasil sobre o assassinato de povos indígenas da Amazônia

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‘É genocídio’: os bispos católicos do Brasil sobre o assassinato de povos indígenas da Amazônia

Devastado pela desnutrição e doenças evitáveis como gripe, pneumonia, anemia, malária e diarreia, o povo Yanomami foi chamado de vítima de um genocídio contemporâneo pelas autoridades governamentais. Os bispos e missionários do Brasil concordam.

As comunidades do povo Yanomami na Amazônia brasileira têm sido ameaçadas por décadas por mineração ilegal, narcotráfico, transporte aéreo não autorizado e outras atividades criminosas, e suas condições sociais e de saúde são precárias. Mas, em janeiro, agentes do Ministério da Saúde brasileiro que pesquisavam a região relataram que as comunidades indígenas estavam passando por uma crise sem precedentes. As fotos dos agentes de mulheres e crianças Yanomami claramente desnutridas rapidamente circularam pelo mundo.

Em 20 de janeiro, o governo nacional do Brasil declarou uma emergência de saúde na região.

Devastado pela desnutrição e doenças evitáveis como gripe, pneumonia, anemia, malária e diarreia, o povo Yanomami foi chamado de vítima de um genocídio contemporâneo pelas autoridades governamentais. Os bispos e missionários do Brasil concordam.

“O genocídio dos Yanomami deve ser um capítulo jamais esquecido na história do Brasil, para que crimes semelhantes contra a vida de nossos irmãos e irmãs nunca se repitam”, disseram os bispos brasileiros em comunicado divulgado em 31 de janeiro. é assinado pelos altos dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Os indígenas do Brasil, “integrados à natureza, têm sido desdenhosamente desrespeitados pela ganância, pela exploração predatória do meio ambiente, que espalha a morte em nome do dinheiro”, disseram os bispos.

Neste caso, disseram os bispos, “a defesa da vida humana é inseparável do cuidado do meio ambiente”. A tragédia contemporânea do povo Yanomami, acrescentaram, foi antecipada por missionários católicos e ambientalistas, como membros do Conselho Missionário dos Povos Indígenas, que os acompanham há décadas.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o cargo pela terceira vez em 1º de janeiro, também descreveu o status atual dos Yanomami como um genocídio, acelerado pelas políticas e inação de seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro. Em mensagem ao Congresso em 2 de fevereiro, Lula disse: “O genocídio cometido contra o povo Yanomami exige de nós medidas mais drásticas, além de tratamento médico de emergência, para combater a desnutrição”.

As incursões de garimpeiros em territórios indígenas sempre foram um problema para os Yanomami, mas no final da década de 1980 as operações de mineração ilícita haviam sido amplamente erradicadas. Mas o governo Bolsonaro incentivou o retorno dos assentamentos de garimpo, e o número estimado de garimpeiros no território Yanomami aumentou, segundo grupos ambientais e de direitos indígenas.

Os dados mostram que as condições entre o povo Yanomami pioraram drasticamente durante o mandato de Bolsonaro de 2019 a 2022. De acordo com dados do Ministério da Saúde obtidos pelo site de notícias local independente Sumauma, a mortalidade infantil sozinha aumentou 29% em relação aos quatro anos anteriores.

Lula disse que é urgente “que retiremos os 20.000 garimpeiros [conhecidos no Brasil como garimpeiros] que trabalham ilegalmente em território indígena, assassinando crianças, destruindo florestas e envenenando rios e peixes com mercúrio”.

As comunidades Yanomami do Brasil estão localizadas na porção da Bacia Amazônica do norte do estado de Roraima, perto da fronteira com a Venezuela. O garimpo ilegal contamina as águas do território protegido com mercúrio e afugenta animais que poderiam ser caçados e comidos pelos Yanomami, reduzindo sua alimentação a poucos vegetais cultivados ou encontrados na floresta.

O líder Yanomami e defensor dos direitos humanos Davi Kopenawa Yanomami disse à mídia brasileira que mais de 570 crianças indígenas morreram nos últimos quatro anos por causa de doenças causadas por contaminação por mercúrio e desnutrição. “Os garimpeiros são muitos e nós somos poucos. Metade do meu povo morreu [ao longo das décadas]”, disse ele. “Somos apenas alguns índios protegendo terras para o mundo inteiro. Os índios não morrem sozinhos. Eles vão morrer com água, floresta, cultura. Você também vai sofrer.”

Ambientalistas ecoaram as acusações de genocídio de Lula contra seu antecessor, alegando que o governo Bolsonaro negligenciou os Yanomami como uma questão de política. O ex-presidente “abriu deliberadamente os portões do território Yanomami e encorajou milhares de garimpeiros a invadir”, disse Sarah Shenker, chefe do movimento global pelos povos indígenas Survival Brasil, em um comunicado à imprensa em 24 de janeiro. desmantelou o serviço de saúde indígena; aplaudiu os garimpeiros que invadem os territórios indígenas; e ignorou os apelos desesperados por ação” de organizações indígenas e outras, disse ela.

Bolsonaro deixou o Brasil no final de dezembro, antes da posse de Lula, e está morando na Flórida. Em 9 de janeiro, milhares de seus apoiadores invadiram o Congresso do Brasil, o palácio presidencial (“Planalto”) e o Supremo Tribunal Federal, em ataques semelhantes à invasão da capital dos EUA em 6 de janeiro de 2021.

O Ministério da Justiça e outras instituições públicas estão abrindo investigações para determinar se os recentes crimes contra os indígenas podem de fato justificar uma acusação de genocídio e, em caso afirmativo, quem pode ser processado. E em 31 de janeiro, cumprindo o decreto presidencial, a Força Aérea Brasileira ordenou a suspensão de todo o tráfego aéreo no espaço aéreo da reserva Yanomami, acabando com o trânsito não autorizado de aeronaves que havia sido tolerado no governo Bolsonaro. Os territórios indígenas são vastos – a reserva no norte do Brasil é do tamanho de Portugal – e muitas vezes inacessíveis exceto por via aérea. Proibir os sobrevoos deve diminuir a capacidade dos garimpeiros ilegais e do narcotráfico de apoiar suas operações.

Os territórios ancestrais dos Yanomami foram reconhecidos pelo governo brasileiro há mais de 30 anos. Juntamente com o território Yanomami na Venezuela, as terras protegidas formam o maior território indígena florestado do mundo.

Nesses territórios, muitas comunidades indígenas ainda vivem em relativo isolamento da sociedade ocidental, habitando aldeias em montanhas e florestas tropicais. Os Yanomami preservam muito de sua própria organização cultural, religiosa e política. No total, a população Yanomami é estimada em cerca de 40 mil pessoas.

Um professor de bioética e assessor da conferência dos bispos, o reverendo Otávio Juliano Almeida, disse à América que as preocupações da igreja com a dizimação em curso das comunidades Yanomami devem ser entendidas como uma questão pró-vida. Um comunicado da Comissão de Bioética da Conferência Episcopal afirma que, em vista de sua “inegociável defesa, promoção e cuidado da vida, desde a concepção até seu fim natural”, precisa expressar “indignação e tristeza” diante da situação das aldeias Yanomami.

“O papel da Igreja é sempre, como desde Jesus, de denúncia das injustiças contra os mais vulneráveis, mas também de anúncio do Reino de Deus. Como sabemos, trata-se de anunciar a vida em plenitude”, disse o padre Almeida.

A presença missionária da igreja entre os Yanomami é historicamente bastante recente, e a maioria dos missionários católicos que trabalham com esse povo segue uma postura inspirada no decreto “Ad Gentes” do Concílio Vaticano II – um estilo de missão diferente daquele colocado em prática na época colonial, entre os séculos XVI e XIX, e mais respeitosa com as culturas e tradições nativas. E a igreja no Brasil acompanha os indígenas, disse padre Almeida.

Especialista na história da igreja na região amazônica e pároco diocesano de Roraima, o reverendo Raimundo Vanthuy Neto, explica que os primeiros missionários a registrar relatos sobre os Yanomami foram os beneditinos, que entre 1909 e 1948 relataram a presença de grupos de índios isolados na região norte do Brasil. No entanto, os católicos não os contataram até 1965, quando dois missionários da Consolata decidiram não apenas se aproximar dos Yanomami, mas também viver entre eles.

“Até então, a missão era principalmente de diálogo inter-religioso, ou seja, a metodologia evangelizadora não era convertê-los ao catolicismo ou ao cristianismo, mas apenas viver entre eles e colocar-se a seu serviço”, disse padre Vanthuy. Eram povos até então desconhecidos, tanto para a Igreja quanto para a sociedade. A “evangelização explícita” começou nos últimos 50 anos, disse Pe. Vanthuy, principalmente por parte dos missionários salesianos.

Hoje existem grupos de Yanomami que são cristãos batizados. Diferentes grupos de missionários e missionárias têm se aproximado dos Yanomami nas últimas décadas, principalmente diante das inúmeras ameaças que as comunidades indígenas sofreram desde a ditadura militar na década de 1980, desde a construção de rodovias em suas terras até invasões por garimpeiros e traficantes de drogas.

Muitas das incursões no território Yanomami são iniciadas pelos próprios pobres, que esperam ganhar a vida na mineração ilícita ou na extração de recursos naturais da Amazônia. Mas as gangues do crime organizado também violam territórios protegidos, muitas vezes provocando confrontos violentos e envolvendo-se no tráfico de pessoas e no abuso sexual de menores e mulheres indígenas. Tais incursões também podem levar à rápida disseminação de doenças infecciosas.

A irmã Mary Agnes Njeri Mwangi, nascida no Quênia, é missionária da Consolata no Brasil desde 1996. A irmã Mwangi disse à América que religiosos e religiosas no Brasil têm “denunciado o que é contrário ao Evangelho para garantir a dignidade dessas pessoas. ”

Ao longo dos anos de sua vida como missionária, ela aprendeu como os Yanomami estão profundamente ligados às suas tradições ancestrais. “Nesta terra reina a generosidade recíproca, a terra cuida deles e eles curam a terra. Tudo se divide com a terra, nada se acumula. Quando alguém morre, tudo o que possuía é queimado”, disse ela. “A única herança que os Yanomami sonham em deixar para os filhos é a floresta habitável. Invadir a terra Yanomami é tocar o coração do povo, desequilibrar seus sonhos e sua vida, e atingir sua saúde física com doença, fome, desnutrição.”

Os Yanomami têm orgulho de sua cultura, incluindo sua religião, sua alimentação tradicional e, principalmente, sua língua, disse ela. Gostam de ensinar aos outros o que sabem sobre viver em harmonia com a natureza.

Apesar de muitas denúncias sobre a exploração dos territórios Yanomami às autoridades competentes do país, os pedidos de auxílio emergencial não foram levados a sério, acrescentou.

Um líder Yanomami, Junior Hekurari, disse à TV brasileira GloboNews que seu povo enviou mais de 60 solicitações ao Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro, que foram insuficientemente respondidas ou não foram atendidas. Cerca de 120 comunidades sob seus cuidados não receberam atenção do governo Bolsonaro.

“Convidamos [o Sr. Bosolnaro] para vir ver a realidade do povo Yanomami, mas nunca veio. Ele não respondeu aos nossos líderes, mas foi visitar e conversar com os garimpeiros, o que nos deixou muito tristes”, disse o Sr. Hekurari.

Fonte: Filipe Domingues – American Magazine

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