Como uma premonição, ela diz que o proeminente líder indígena e xamã Davi Kopenawa sonhou com ela liderando a expulsão de garimpeiros ilegais dessas terras indígenas. “Davi Kopenawa me disse que teve um sonho que eu estava à frente da expulsão”, disse Joenia Wapichana ao Mongabay em entrevista na sede da Funai duas semanas antes do início do desastre de saúde no território Yanomami.
Em 21 de janeiro, Joenia Wapichana foi ao território Yanomami com o presidente Lula e a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara, após relatos de 570 crianças morrendo de desnutrição e outras doenças provocadas por 20.000 garimpeiros ilegais, uma emergência de saúde pública foi declarada.
Em uma entrevista em vídeo para a Mongabay (Veja artigo original em Ingles) em 5 de janeiro, Joenia Wapichana destacou as questões “urgentes e humanitárias” no território Yanomami. “A saúde indígena lá é um caos. As crianças estão morrendo de malária e desnutrição. Então, não é só retirar os garimpeiros, mas é preciso tomar medidas imediatas para garantir a segurança ali”.
Joenia Wapichana diz que para acabar com esta crise são necessárias ações coordenadas entre vários órgãos governamentais com “fiscalização permanente”, incluindo o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério da Justiça e a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, SESAI. “Não é simplesmente remover os mineradores selvagens e não deixar ninguém lá para proteger”, diz ela. “Também é preciso fazer um estudo do que foi deixado pelo garimpo ilegal.”
De fato, o governo brasileiro está preparando uma força-tarefa para expulsar os garimpeiros ilegais do território Yanomami, disse Joenia Wapichana em entrevista coletiva no dia 31 de janeiro. Mudanças Climáticas Marina Silva disse que o dinheiro do Fundo Amazônia será destinado ao combate à crise Yanomami.
Joenia Wapichana também pede a responsabilização de políticos por situações “absurdas” em que defenderam o garimpo ilegal em terras indígenas. “Não é um posicionamento político ideológico. É crime”, diz Joenia Wapichana. “Nossa legislação proíbe a mineração em terras indígenas.”
Nascida em Roraima, Joenia Wapichana foi a primeira mulher indígena eleita para o Congresso Nacional do Brasil em 2018 e desempenhou um papel fundamental na tentativa de minar a Funai do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No primeiro dia de mandato, 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro emitiu uma medida provisória que transferiu a Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Também transferiu para o Ministério da Agricultura o poder decisório da Funai para demarcar territórios indígenas.
Mas a ação colaborativa de Joenia Wapichana com outros partidos políticos dificultou sua aprovação no Congresso. “Apesar de receber muitas ameaças pelos meus posicionamentos desde o primeiro momento em que cheguei, nunca tive vontade de desistir”, diz ela, destacando as adversidades que enfrentou como única representante indígena durante um governo anti-indígena e ambiental. “Tudo é um desafio na minha vida.” Ela tomará posse como presidente da Funai no dia 3 de fevereiro.
Em entrevista em vídeo ao Mongabay, Joenia Wapichana destacou as questões “urgentes e humanitárias” no território Yanomami. “A saúde indígena lá é um caos. As crianças estão morrendo de malária e desnutrição. Então, não é só retirar os garimpeiros, mas é preciso tomar medidas imediatas para garantir a segurança ali”.
[arve url=”https://www.youtube.com/watch?v=DEhY6Ju0i9A” title=”Joenia Wapichana: ‘Quero ver os territórios Yanomami e Raposa Serra do Sol livres de invasões’” description=”Em entrevista em vídeo ao Mongabay, Joenia Wapichana destacou as questões “urgentes e humanitárias” no território Yanomami. “A saúde indígena lá é um caos. As crianças estão morrendo de malária e desnutrição. Então, não é só retirar os garimpeiros, mas é preciso tomar medidas imediatas para garantir a segurança ali”.” thumbnail=”6436″ align=”center” /]‘Não é terra de ninguém; é terra indígena!’
Após quatro anos de consistente desmantelamento da Funai e das políticas indigenistas em geral no governo Bolsonaro, Joenia Wapichana diz estar ciente dos desafios pela frente para liderar a instituição. “Sei que vai ser difícil. Não vai ser da noite para o dia que vamos tirar a Funai do buraco, resgatar todos esses anos de falta de investimento, de falta de atenção, de falta de respeito”, afirma. “Mas faremos o possível para recuperar tudo o que foi tirado, tanto em termos de direitos quanto de princípios.”
Retomar o processo de demarcação de terras – 13 territórios indígenas com os devidos processos estão prontos para serem demarcados – e expulsar os invasores das reservas indígenas, diz ela, são as maiores prioridades da Funai. “Os índios sempre têm esse conceito de ‘minha terra primeiro’. tem.”
Um dos principais pilares para cumprir esta missão, diz, são os funcionários públicos que “têm de ser valorizados e têm de ter boas condições de trabalho”. Para ela, é um “absurdo” servidores públicos receberem salários de até R$ 2.000 para irem a campo enfrentar madeireiros e traficantes em áreas indígenas para proteger a vida dos indígenas que cuidam de 14% da população brasileira território. “Eles dão a vida, deixando a família, correndo o risco.”
Ela relembra o caso do especialista indígena Bruno Pereira, brutalmente assassinado com o jornalista britânico Dom Phillips em junho de 2022 no Vale do Javari, no norte do Amazonas. Ela diz que pretende “fortalecer justamente essa missão que ele tinha de fiscalizar”.
Um dos principais desafios, diz ela, é o orçamento precário de R$ 600 milhões (US$ 118 milhões) anuais da Funai, dos quais R$ 400 milhões (US$ 78,8 milhões) são apenas para mantê-la funcionando. Ela diz que está estudando como maximizar os recursos existentes, incluindo a solicitação de um prédio do governo para sua sede para liberar R$ 1,5 milhão (US$ 296 milhões) anuais gastos com aluguel “totalmente incoerente com a realidade da Funai hoje”.
Segundo Joenia Wapichana, também será necessário captar recursos por meio de acordos de cooperação com outros países e órgãos governamentais, estratégia bem-sucedida em 2004. “Foi graças a esses acordos de cooperação internacional que a demarcação de terras indígenas na Amazônia avançou. Acompanhei várias demarcações relacionadas a esses termos de cooperação.”
Ela diz que a retomada do Fundo Amazônia, cujos recursos foram desbloqueados imediatamente após a posse de Lula, é uma alternativa, e várias instituições e países querem ajudar a Funai.
Joenia Wapichaba destaca o encontro com a secretária do Interior dos EUA, Deb Haaland, que, segundo ela, disse que o Brasil “tem todo o apoio lá do governo Biden para o que for preciso para ajudar os povos indígenas”. Haaland é a primeira nativa americana a servir como secretária de gabinete de um presidente dos EUA e liderou a delegação dos EUA na posse presidencial de Lula. “Há muito que podemos fazer juntos para dar aos povos indígenas um lugar à mesa e proteger o ecossistema da Amazônia brasileira, que muitos chamam de lar”, twittou Haaland em 1º de janeiro.
Joenia Wapichana destaca a longa história de colaboração com os EUA em esforços ambientais, incluindo a investigação liderada por um departamento sob o guarda-chuva de Haaland que levou o problemático ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles a ser demitido após acusações em uma investigação sobre supostas exportações ilegais da Amazônia madeira.
Ela destaca a importância de rastrear as exportações do Brasil, acrescentando que um de seus projetos é rastrear a compra, venda e transporte de ouro.
Para os próximos anos, Joenia Wapichana diz que almeja ser reeleita deputada e ver cada vez mais representantes indígenas no Congresso. “Trago na minha trajetória justamente a questão do pioneirismo, sabe? De ser o primeiro a abrir as portas para os outros.” Primeira mulher indígena a se tornar advogada no Brasil, ela diz que sonha em ser nomeada ministra do Supremo Tribunal Federal no futuro.
“Meu sonho é ver os índios com seus direitos protegidos, respeitados e cumpridos”, diz ela, acrescentando que quer muito realizar o sonho de Davi Kopenawa de liderar a expulsão de invasores das terras indígenas.
“Muitos brasileiros não estão cientes da questão da garantia das terras indígenas. Eles não sabem que ali existe usufruto exclusivo indígena”, diz ela, acrescentando que muitas vezes as pessoas pensam “não é ‘terra de ninguém’. Não, é terra indígena!”
Tradução: David Grego
Fonte: Mongabay