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Feminicídio no Brasil: Condenação Interamericana

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Feminicídio no Brasil: Condenação Interamericana

O caso Barbosa de Souza et al. v. Brasil na CIDH estabeleceu um marco legal no combate ao feminicídio na América Latina, exortando reformas legislativas, melhorias no processo judicial e fortalecimento na coleta de dados e na educação pública
2016.06.01 - Porto Alegre/RS/Brasil - Ato Por Todas Elas, mulheres em protesto contra a Cultura do Estupro, na Esquina Democrática. Foto: Ramiro Furquim/Jornal Já

O feminicídio, o assassinato de mulheres com base em seu gênero, tem sido um problema premente em todo o mundo, mas tem sido uma preocupação crescente na América Latina devido à taxa mais alta em anos recentes. Em 2021, mais de 4.000 mulheres morreram de violência de gênero na América Latina. Isso pode ser atribuído a múltiplos fatores, especialmente um sistema de justiça fraco em relação aos direitos das mulheres e uma relutância das agências governamentais em implementar políticas e programas de treinamento para educar cidadãos e funcionários governamentais sobre o feminicídio.

O governo federal em quase todos os países da América Latina tomou pouca ação legal para condenar o feminicídio ou retardar a taxa dos assassinatos. Por exemplo, no Brasil — apesar dos casos de feminicídio terem aumentado 39 por cento de 2019 a 2020 — a condenação e os processos por esse crime só aumentaram 24 por cento. Jair Bolsonaro, o ex-presidente do Brasil, cortou fundos para combater a violência de gênero, enquanto outras entidades governamentais, como a Câmara dos Deputados, emperraram a aprovação de legislação para ajudar as vítimas de violência doméstica. Devido à falta de urgência dos governos e à falha em implementar mudanças, instituições jurídicas internacionais foram trazidas para ajudar a condenar e combater o feminicídio na América Latina.

Organizações internacionais — como o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) — condenaram oficialmente a impunidade legal que os autores de feminicídio têm na América Latina. Ambas as organizações criaram protocolos e modelos de implementações legais para os governos federais da região adotarem.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos

Um dos três tribunais regionais de direitos humanos — com os outros localizados na Europa e na África — esta instituição foi criada para aplicar e interpretar a Convenção Americana, um tratado internacional que afirma os direitos e liberdades dos indivíduos que devem ser respeitados pelos governos de cada estado da região. A corte tem a autoridade para supervisionar julgamentos, resolver casos e ordenar medidas provisórias com base em determinadas decisões. Reconhecendo os poderes da CIDH e os esforços insuficientes dos governos domésticos individuais, as mulheres da América Latina recorreram a essa entidade internacional para tratar do feminicídio. Embora a CIDH não tenha ouvido casos de feminicídio de todos os países das Américas, ela ouviu um caso premente do Brasil: Barbosa de Souza et al. v. Brasil.

Contexto: Feminicídio e Legislação Anti-Feminicídio no Brasil

O Brasil tem uma das maiores taxas de feminicídio na região, com cerca de 3,5 por 100.000 mulheres sendo vítimas dessa violência de gênero. Em 2019, a CIDH emitiu uma declaração sobre o feminicídio no Brasil, enfatizando o papel dos valores sexistas profundamente enraizados tanto no fomento dessa violência quanto na obstrução dos esforços para retardar a taxa dela. Por exemplo, no Brasil, apenas 56 por cento das mulheres fazem parte da força de trabalho remunerada porque os homens acreditam que elas devem ficar em casa, apesar de seus desejos de trabalhar. O relatório também destacou as complicações com as interseccionalidades étnicas, raciais e de orientação sexual que cercam a violência. Reconhecendo todos esses fatores, a CIDH instou o governo federal do Brasil a fortalecer as medidas de prevenção e proteção para eliminar a discriminação contra as mulheres.

Com pressões de organizações externas, o Brasil implementou alguma legislação para proteger cidadãos que se identificam como mulheres. O maior esforço para condenar a violência de gênero foi a Lei Maria da Penha, que foi aprovada em 2006 para prevenir e processar a violência doméstica em todos os contextos raciais, com ênfase na concessão de direitos humanos iguais a mulheres e homens. Desde 2006, novas leis, como a Lei do Feminicídio (2015), que indica as punições exatas para diferentes atos de feminicídio, e a Lei 14.188 (2021), que explica as punições para qualquer forma de violência doméstica contra as mulheres, foram implementadas para criminalizar o feminicídio e a violência de gênero psicológica.

Apesar desses esforços, o feminicídio e outras formas de violência contra as mulheres persistiram em taxas alarmantes em todo o país. O feminicídio realmente aumentou no Brasil desde que as declarações da ONU e da CIDH foram divulgadas em 2019 e tem sido subnotificado por décadas. Os dados oficiais do governo de 1980 a 2019 foram 28,62 por cento menores do que o número real de vítimas de feminicídio. Essa discrepância se deve a medidas inadequadas de relatório exigidas pelo governo. As mortes dessas mulheres são frequentemente classificadas como “intenção indeterminada”, o que pode descartar as mortes como suicídios ou assassinatos não feminicidas. Com as autoridades relatando essas razões como as causas da morte, o número de feminicídios é subnotificado. Além disso, em áreas específicas — como as áreas mais conservadoras, onde a violência de gênero é mais comum, ou em regiões com uma população negra maior — existem menos meios acessíveis de denunciar agressão sexual ou violência doméstica. Com esses obstáculos e regulamentos de relatório deficientes, o governo é incapaz de cumprir suas promessas de condenar e combater o feminicídio.

O Caso de Barbosa de Souza et al. v. Brasil

Com o aumento do feminicídio, o caso de Barbosa de Souza et al. v. Brasil foi levado à CIDH em 2021 para resolver um caso de violência de gênero na região. Este caso é significativo porque abordou o poder dos funcionários do governo do ponto de vista da responsabilidade legal, ao mesmo tempo que procurou fazer justiça para a família de Marcia Barbosa de Souza. Em 1998, o deputado estadual da época a assassinou, e sua família acabou levando o caso à CIDH devido ao longo período que levou para processar o crime. O caso foi registrado no Brasil no ano do assassinato (1998), mas todo o processo não foi concluído até 2007. Com o julgamento durando mais de nove anos, a investigação não resolvida e um atraso geralmente discriminatório nos processos criminais, o caso foi levado à CIDH para tratar das táticas processuais deficientes da audiência do caso no Brasil.

Houve três principais conclusões das sentenças deste caso. Em primeiro lugar, a CIDH convocou não apenas o Brasil, mas todos os países da América Latina a reconsiderar suas leis de imunidade e impunidade para certas autoridades empregadas pelo governo. Esse apelo à ação foi implicado pela Corte quando decidiu que a impunidade do deputado estadual violou o direito de acesso à justiça de Marcia Barbosa de Souza. Em segundo lugar, a Corte indicou que os sistemas jurídicos domésticos do Brasil deveriam tomar medidas adicionais para perseguir os casos de feminicídio com devida diligência e tempo razoável. Esta exigência respondeu à falha do estado brasileiro em investigar completamente o homicídio de forma oportuna, eficiente e meticulosa. Por fim, o sistema jurídico do Brasil, juntamente com os de outros estados da América Latina, deveria considerar a igualdade de gênero ao processar casos criminais. Neste caso, o “direito de acesso à justiça sem discriminação não foi garantido, junto com o direito à igualdade”.

Barbosa de Souza et al. v. Brasil destacou quase todos os problemas com o manejo do feminicídio pelo governo. O caso também chamou a atenção para as horríveis estatísticas de feminicídio, especialmente aquelas que notam que as taxas de feminicídio são mais altas para afrodescendentes. Em geral, este caso foi crucial para indicar etapas e procedimentos específicos que deveriam ser tomados para ajudar a combater o problema.

Recomendações de Política da CIDH em Resposta ao Caso

No final do relatório, a Comissão da CIDH incluiu várias sugestões de como o feminicídio deveria ser tratado na América Latina, tanto em termos legais quanto em termos de coleta de dados e educação. Com relação ao Brasil, a CIDH recomendou que o estado crie um sistema nacional e centralizado para a coleta de dados desagregados por várias demografias, a fim de permitir a análise quantitativa e qualitativa dos atos de violência contra as mulheres. Este primeiro mandato deveria ser criado um ano após o encerramento do caso e entrar em pleno efeito após três anos.

Em relação à devida diligência e discriminação, a Corte ordenou que o Brasil crie um plano para a educação contínua e sensibilização das forças policiais, do judiciário, de profissionais de saúde e de educação sobre a violência de gênero, assim como sobre o impacto prejudicial dos estereótipos de gênero. Esse plano de sensibilização também deveria destacar as interseccionalidades das identidades das vítimas e como isso poderia afetar a maneira como a violência de gênero é perpetrada contra elas.

Finalmente, a CIDH instruiu o Brasil a adotar medidas legislativas, administrativas e de outra natureza para garantir a devida diligência no tratamento de casos de violência contra as mulheres. Isso inclui um tempo razoável para a investigação, processamento e punição dos crimes. O Brasil também foi orientado a assegurar a reparação adequada às vítimas de violência de gênero, que deve incluir tanto a compensação material quanto a imaterial.

A decisão no caso Barbosa de Souza et al. v. Brasil estabelece um importante precedente legal para a luta contra o feminicídio na América Latina. Ela sinaliza a urgência de melhorar a legislação e os procedimentos legais, além de fortalecer a coleta de dados e a educação pública para prevenir e combater a violência de gênero. Embora haja ainda um longo caminho a percorrer, o caso representa um passo significativo na direção certa para garantir a segurança e a igualdade das mulheres.

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